terça-feira, 8 de julho de 2008

Presbiterianos & liturgia, parte 6.

Por Jeffrey Meyers

(continuação da parte 5)
(leia o original aqui)

Mais algumas reflexões sobre o serviço de Deus a nós

Primeiro, vamos nos lembrar de que o tabernáculo, o templo, os sacrifícios e o sacerdócio de Israel foram um serviço de Deus para Israel e a humanidade. Deus não precisava do louvor deles. Esse arranjo litúrgico foi seu generoso presente para seu povo e o mundo. Quando os israelitas chegaram à conclusão de que estavam fazendo algo para Deus, dando alguma coisa para ele, eles foram rejeitados pelo Senhor. Consideremos o Salmo 50.8-15:

Não o acuso pelos seus sacrifícios,
nem pelos holocaustos,
que você sempre me oferece.
Não tenho necessidade
de nenhum novilho dos seus estábulos,
nem dos bodes dos seus currais,
pois todos os animais da floresta são meus,
como são as cabeças de gado
aos milhares nas colinas.
Conheço todas as aves dos montes,
e cuido das criaturas do campo.
Se eu tivesse fome, precisaria dizer a você?
Pois o mundo é meu, e tudo o que nele existe.
Acaso como carne de touros
ou bebo sangue de bodes?
Ofereça a Deus em sacrifício a sua gratidão,
cumpra os seus votos para com o Altíssimo,
e clame a mim no dia da angústia;
eu o livrarei, e você me honrará.


De acordo com o Salmo 50, a forma pela qual nós glorificamos a Deus é clamando a ele no dia da angústia e permitindo que ele seja o nosso livrador. Ao depender de seu serviço divino, nós, em última análise, o glorificamos. Pois é justamente isso que o culto dominical é. O serviço de Deus a nós, não o nosso a ele em primeiro lugar. Segundo, se o único propósito do culto dominical for a reunião de indivíduos para louvar a Deus, orar e oferecer a ele todo tipo de devoção humana, então alguma coisa está perigosamente invertida. Como calvinistas, nós deveríamos enxergar a ameaça pelagiana que se esconde por trás de uma idéia tão unilateral. E como o pelagianismo anda de mãos dadas com uma concepção unitarista de Deus, não surpreende que um culto moldado por essa idéia tenda a ignorar a Trindade.
Na liturgia tradicional, o serviço de Deus em nosso benefício tem uma forma distintamente trinitária. O serviço de Deus a nós é graciosamente nos trazer à presença do Pai em união Espiritual com o Deus-Homem, Jesus Cristo. Jesus Cristo, homem, é o único mediador entre Deus e os homens. Ele é o sacerdote. Ele se oferece como homem perante o Pai, e o faz como Representante da Humanidade, o Sumo Sacerdote da humanidade redimida. Ele nos assiste em achegarmo-nos a Deus. É esse o papel de um sacerdote.John Thompson o descreve assim: “Jesus Cristo é, portanto, o único verdadeiro adorador. Pelo Espírito Santo, nós somos levados ao louvor e à resposta que Cristo oferece ao Pai. A nossa é a resposta da resposta. O Espírito é que possibilita isso, dando o que ele exige, que é o louvor dos nossos corações e de nossas vidas.” (Modern Trinitarian Perspectives [New York: Oxford University PRess, 1994], p. 100). Novamente, o que isso quer dizer é que “culto” não é fundamentalmente o que fazemos. Antes, é aquilo que nos é graciosamente dado, bem como o que nos é dado fazer, em Cristo. Culto é o serviço do Deus Triúno à congregação. Creio que T. F. Torrance esteja certo, ao dizer que tem alguma coisa grotescamente unitarista, até mesmo pelagiana, na concepção popular de culto do evangelicalismo. Deus está distante e nós nos aproximamos e fazemos todo tipo de coisas diante dele para agradá-lo. Considerem isto: há um significado profundo em que nosso culto não seja meramente coram Deo, ou coram Trinitate [“diante de Deus”, ou “diante da Trindade”, N. do T.], ou mesmo ad Deum ou ad Trinitatem [“dirigido a Deus”, ou “dirigido à Trindade”, N. do T.], mas sim in Trinitate [“na Trindade”, N. do T.] (isto é, “por meio da” Trindade, ou mesmo no sentido espacial de estar “em”). Uma concepção trinitariana de culto reconhece os dois movimentos de Deus: 1) de Deus para a humanidade – do Pai, através do Filho, pelo Espírito, para redimir o homem; e 2) da humanidade para Deus – na direção inversa – pelo Espírito, através do Filho, para o Pai. É assim que nossa resposta é incluída nesse serviço, pois nós só temos como responder se o fizermos em união com a resposta sacerdotal de Jesus Cristo. Mesmo a nossa resposta é uma dádiva.
Somente uma liturgia cuidadosamente construída pode assegurar que a congregação não escorregue para um “culto” pelagiano ou unitarista. Tradicionalmente, a liturgia cristã tem buscado incorporar o serviço de Deus pelo seu povo, bem como a resposta apropriada de louvor, pelo povo. Falarei mais sobre isso no próximo post.

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