quinta-feira, 31 de julho de 2008

Presbiterianos & Liturgia, parte 8

Terminologia e glória

Por Jeffrey Meyers

(continuação da parte 7)
(leia o original aqui)

A terminologia que nós usamos para descrever o que acontece no Dia do Senhor pode causar confusão. Nós herdamos a designação “serviço de louvor”, que, na minha opinião, leva a uma confusão sobre o que realmente acontece na congregação.

“Serviço” vem do latim servitium, como em servitium Dei (“o Serviço de Deus”, ou “o Serviço Divino”). Essa forma antiga de designar a liturgia cristã é deliciosamente ambígua. No “Serviço divino” ou no “Serviço de Deus”, quem está servindo quem? É Deus que nos serve, ou nós servindo a Deus? Ou ambos?

Na concepção clássica, considerava-se que o “Serviço Divino” incluía tanto o serviço de Deus a nós, e o nosso serviço a Deus. Mas mesmo naquele tempo, nossos pais na fé consideravam o serviço de Deus a nós (o perdão dos pecados, o ministério [serviço!] da Palavra, os Sacramentos etc.) como o principal, e o nosso serviço a ele como uma resposta secundária.

Mas a prioridade do serviço de Deus a nós é exatamente o que se perde quando chamamos nossa assembléia dominical de “louvor”. No inglês (worship), esse termo vem do anglo-saxão worth-ship, que significa reconhecer o devido valor (worthness) de uma coisa ou de uma pessoa. Ao chamarmos nossa reunião de “culto de louvor”, parece que estamos dando ênfase não às dádivas e ao ministério de Deus a nós por meio da Palavra e dos Sacramentos, mas sim ao nosso, de reconhecer o “valor” de Deus.

Infelizmente, muitas pessoas que pregam e ensinam acerca do culto têm uma tendência de passar batido por isso. Nós tendemos demais a aceitar a enganosa tradução de “liturgia” como “o serviço do povo”, o que, na verdade, é só metade da história, e, na verdade, é a segunda metade!
O que acontece no domingo é a continuação do serviço do Senhor Jesus, assunto aos céus, por seu povo. “Pois qual é maior: quem está à mesa, ou quem serve? Porventura não é quem está à mesa? Pois, no meio de vós, eu sou como quem serve.” (S. Lucas 22.27; veja também S. Mateus 20.28, S. João 13.5-16 e Filipenses 2.7-8).

Sem essa compreensão, nosso culto inevitavelmente se degenera em pelagianismo com verniz calvinista. O serviço de louvor não é primeiramente para Deus. Ao contrário, primeiro nós recebemos de Deus, então, secundariamente, nós devolvemos a ele, com gratidão, precisamente daquilo que ele generosamente continua a nos dar.

Glória

Afinal, Deus não precisa de nosso serviço ou adoração. Ele não nos criou primeiramente para se glorificar a si mesmo, mas para distribuir e compartilhar a plenitude da sua glória com as suas criaturas. Isso precisa ser considerado com cuidado. O verdadeiro Deus não é como os deuses pagãos que precisam se alimentar de toda a glória que conseguirem. Para o verdadeiro Deus, a verificação da quantidade de glória que ele possui e a que nós possuímos não é um exercício de compensação. Se ele tem toda a glória, isso não significa que nós não temos nenhuma. Se nós temos glória, isso não vai às expensas da sua própria glória. Somente quando nós nos recusamos a reconhecer a fonte da nossa glória e nos afirmamos a nós mesmos contra a sua, é que incorremos na condenação dos profetas.

Thomas Howard desafia corretamente essa distorção:

Se apenas Deus é Todo-glorioso, então ninguém mais tem glória alguma. Nenhuma exaltação pode ser admitida a qualquer outra criatura, pois isto colocaria em xeque a prerrogativa exclusiva de Deus. Mas isto é imaginar uma corte medíocre. Que tipo de rei se cerca de criaturas deformadas, aleijadas e sem valor? Quanto mais glorioso o rei, mais gloriosos são os títulos e honras que ele confere. As plumas, coques, coroas, diademas, mantos e medalhões que adornam sua corte testificam de uma coisa apenas, de sua própria majestade e munificência. Grande é o rei que tem figuras de tão grande dignidade em sua corte, ou melhor ainda, que ele mesmo elevou a tal dignidade. Esses grandes senhores e senhoras, alfaiados e coroados com a maior honra e dignidade, são precisamente seus vassalos. Esse conjunto resplandecente é a sua corte! Toda a glória a ele e, nele, glória e honra a esses outros (Evangelical is not enough [Nashville: Thomas Nelson, 1984], p. 87).

Mas é essa forma mais crua de doutrina que povoa o imaginário popular. Se alguém tem uma nesga de glória, ela deve ser confiscada por Deus. Isso é paganismo. Ao contrário, nós devemos dizer que, se alguém tem uma medida, ou dez, de glória, ela lhe foi dada por Deus, da plenitude de sua própria glória, de modo que toda a glória no mundo redunda, em última análise, a ele. “Porque dele e por meio dele e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém.” (Romanos 11.36).

É essa visão equivocada da relação entre a glória de Deus e a nossa própria que leva a toda sorte de erro. Nossas igrejas não podem ser belas (gloriosas), mas devem parecer com auditórios, nus e caiados, do contrário poderíamos estar desviando as pessoas de Deus, que sozinho possui toda a glória. Loucura. A beleza não é perigosa em si mesma. É Deus quem dá glória e beleza a seu povo. Que idéia de Deus é passada por igrejas que deliberadamente fazem ambientes feios para o culto? O de um marido que prefere que sua esposa seja desmazelada, que não permite a ela que se embeleze; tal marido não ama de verdade a sua esposa. E quão pior seria que ele preferisse chamar a atenção para si mesmo e sua beleza, ao manter a sua esposa em farrapos!

O Pai deseja glorificar a noiva de seu Filho. O Filho também se dedica para embelezá-la. O Espírito da glória está diretamente envolvido nessa produção. O que você acha que isso significa para a liturgia cristã? Pense assim: o que fazemos nas cerimônias de casamento? Normalmente, os pais e o casal se dedicam a torná-las belas. Tempo e esforço são aplicados para assegurar que tudo seja feito direito, para glorificar a noiva e assegurar que a cerimônia seja, também, gloriosa. Por que não temos essa mesma postura com relação ao culto do Dia do Senhor? Onde está a preocupação correspondente com a beleza e o significado da liturgia da Igreja?

(continua na parte 9)

terça-feira, 22 de julho de 2008

Hinário e Cancioneiro Reformados

Como eu já delineei no post anterior, um dos grandes projetos da Sociedade pela Liturgia Reformada será publicar (mesmo que apenas virtualmente) dois compêndios de música. Um será voltado à forma mais tradicional de canto congregacional protestante no Brasil, o hino métrico (ou simplesmente "hino"). O outro, à forma de uso mais crescente, que é a dos cânticos congregacionais, compostos na forma de música popular.

O critério básico de seleção das músicas será essencialmente a adequação teológica das suas letras à teologia reformada. Hinos e corinhos clássicos certamente serão incluídos, bem como composições novas que forem mandadas pra cá. Todas as letras serão revistas e editadas conforme necessário para adequação teológica.

Os dois volumes terão a mesma organização interna, voltada para facilitar a consulta e o manuseio (se é que edições em papel chegarão a ser impressas e manuseadas). Essa estrutura também facilita a ampliação dos livros em edições seguintes. Vejamos:

Primeiro, como em toda a tradição do culto cristão, os livros conterão 35 capítulos, separados em duas partes principais, a dos Ordinários e a dos Próprios. Em cada um dos capítulos, a numeração dos cânticos e hinos é zerada (por exemplo, 02.01, 02.02, 02.03, 03.01 etc.). Assim, fica facilitada a inclusão de novas músicas em edições posteriores.

Na parte dos Ordinários, ficarão os hinos ou cânticos de uso geral da Igreja, que farão parte do seu repertório cotidiano, podendo ser usados em todo tipo de culto. Na verdade, a própria ordem dos assuntos é a do culto reformado: chamada à adoração, penitência, redenção, Palavra, ação de graças, Sacramentos e intercessão. Ela conterá 13 capítulos:

1. Cantos Litúrgicos Ordinários

Aqui, serão incluídos os cantos e responsos litúrgicos tradicionais da Igreja Cristã:
Kyrie (Senhor, tem misericórdia de nós),
Glória ao Pai,
Glória a Deus nas alturas,
versões musicadas do Credo,
o Sanctus (Santo, santo, santo é o Senhor Deus dos Exércitos, os céus e a terra estão plenos da sua glória)
o Benedictus (bendito o que vem em nome do Senhor),
o Agnus Dei (Cordeiro de Deus, que tiras o pecado do mundo, tem misericórdia de nós e dá-nos paz).

Além de aleluias, améns, responsos e outras doxologias (cânticos curtos de adoração) tradicionais.

2. A Santíssima Trindade
3. Deus, o Pai
4. Deus, o Filho
5. Deus, o Espírito Santo

Os capítulos 2 a 5 serão dedicados aos cânticos e hinos de louvor à Santíssima Trindade e às suas pessoas consideradas individualmente. O teor das letras, aqui, deve ser estritamente doxológico, ou seja, de simples louvor a Deus. Cânticos que aliam a doxologia a petições ou aspirações serão incluídos nos capítulos específicos.

6. Cânticos Penitenciais
7. Cânticos de Redenção

O capítulo 6 trará letras em que se confessa a condição de miserável pecador do homem e a sua dependência de Deus. O capítulo 7 é dedicado às letras que celebram a redenção dada por Deus ao homem pecador.

8. A Palavra de Deus

As canções do capítulo 8 exaltam as virtudes da Bíblia, como revelação autorizada da Palavra de Deus, fonte de sabedoria, instrução e doutrina para o cristão.

9. Salmos e Cantos Bíblicos

O capítulo 9 é dedicado a metrificações, versificações e paráfrases de passos das Escrituras. O cântico de salmos metrificados é tradição de raiz indiscutivelmente reformada, embora largamente abandonada no presbiterianismo brasileiro.

10. Ações de Graças

O capítulo 10 enfoca a ação de graças do homem a Deus pelos benefícios que este lhe concede, desde a vida até o sustento e especialmente a salvação. São letras propícias sobretudo à dedicação das ofertas antes da celebração eucarística.

11. O Sagrado Batismo
12. A Sagrada Eucaristia

Os capítulos 11 e 12 enfocam os dois sacramentos universalmente aceitos pela Igreja de Cristo, o Sagrado Batismo e a Sagrada Eucaristia.

13. Intercessão e Fé

Encerrando a parte dos Ordinários, cânticos de intercessão, que dirigem a Deus súplicas em favor do mundo, da Igreja, dos enfermos, dos desvalidos e de todas as mais preocupações dos cristãos.


A segunda parte é a dos Próprios, hinos e cânticos destinados a ocasiões específicas do calendário eclesiástico, civil, ou da vida da igreja.

14. O Advento
15. O Natal
16. A Epifania
17. A Quaresma
18. A Entrada Triunfal do Senhor
19. A Paixão e Morte do Senhor
20. A Ressurreição do Senhor
21. A Ascenção do Senhor
22. A Grande Comissão
23. O Pentecostes
24. A Segunda Vinda e o Celeste Porvir
25. O Culto ao Senhor
26. A Escola Dominical
27. As Sociedades Internas da Igreja
28. A Confirmação
29. A Ordenação e Instalação de Oficiais
30. A Unção dos Enfermos
31. O Casamento e o Lar Cristão
32. Encomendação e Ofícios Fúnebres
33. Testemunho e Aspiração Cristãos
34. O Ano Novo
35. A Pátria


O endereço atual dos arquivos do Projeto é http://www.4shared.com/dir/8288577/4010674e/Msica_Reformada.html

O Projeto, como sempre, aceita colaborações! =)

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Projeto Música Reformada

As igrejas reformadas no Brasil têm, historicamente, padecido da falta de recursos musicais adequados. Todos os hinários editados até hoje, sem exceção, padecem dos efeitos de influências de outras correntes teológicas e ideológicas não necessariamente (e algumas vezes, totalmente opostas às) reformadas. Sobretudo os hinários empregados, historicamente, pelo presbiterianismo brasileiro (Salmos & Hinos - congregacional - e Hinário Evangélico - metodista) padecem de profunda influência, a uma, do avivalismo dos séculos XVIII e XIX (em que pese a prolífica produção musical e poética, pouco dela se salva), e, a outra, do arminianismo.

Esforços foram feitos pelas principais igrejas presbiterianas no Brasil (IPB e IPI) para purgar essas influências teológicas "estranhas" de seus novos hinários oficiais, Novo Cântico (1985/1991) e Cantai Todos os Povos (2003), respectivamente. Mas sobretudo o saudosismo e um persistente avivalismo impediram a completa filtragem dessas letras (e também dessas músicas). Ora, além das acusações de arminianismo (e outras heresias mais, estas bem mais localizadas e sutis), há que se enfrentar, nos hinários, as constantes acusações de que parte de suas músicas nasceram como "música de cabaré".

Até onde se sabe, pode muito bem ser verdade que alguns hinos da época do avivalismo sejam, mesmo, música de cabaré. Os autores sacros desse movimento se valiam da música folclórica e popular, usando, no lugar de suas letras, seus próprios poemas. Em que pese os resultados positivos que isso trouxe à difusão do Evangelho, é de se notar a absoluta pobreza musical de boa parte dessas melodias. Calvino, citando Agostinho, dizia que a música a ser usada no culto ao Senhor deveria ser sóbria e majestosa.

É, portanto, a nossa intenção, compilar e produzir, mesmo que apenas online, um hinário que, distante já desses movimentos teológicos, possa resultar numa síntese depurada do que de melhor se produziu na hinódia protestante, adequando-se letras, melodias e harmonias, conforme necessário, ao contexto teológico reformado atual.

Não apenas isso. É notório que se padece, hoje, de um déficit na produção de novos hinos. A letra mais nova do NC data dos anos 1970, em um hino que trata da conquista espacial e da contemplação da grandeza da Criação pelo homem e sua pequenez ante o Criador. Talvez o CTP esteja melhor equipado nesse departamento (ainda não tive a oportunidade de adquirir um).

Assim, procuramos, a uma, um hinário teologicamente correto e, a duas, que traga, ao lado dos grandes clássicos da hinódia cristã-protestante, novas composições, que atendam e reflitam os anseios e o contexto contemporâneo.

Mas não apenas de hinos se faz a música litúrgica. A música, em sua roupagem popular contemporânea, com seus instrumentos, ritmos e linguagem poética próprios, estão absolutamente entranhados na cultura litúrgica reformada/presbiteriana brasileira, assim como no cristianismo reformado de todo o mundo. No mainstream calvinista brasileiro (excetuados, portanto, exceções curiosas e até mesmo exóticas, de igrejas que permanecem na hinódia exclusiva, ou mesmo que regrediram ao modelo puritano da salmodia exclusiva), o que se vê é a coexistência, mais ou menos pacífica, da música contemporânea com a hinódia protestante.

O problema tem sido a adoção absolutamente acrítica da música contemporânea, vinda quase que exclusivamente de grupos de teologia não-reformada (ou ainda, sem qualquer preocupação teológia apriorística). A forma de inclusão dessa música dentro da liturgia merece um artigo próprio, que eu pretendo escrever em breve.

Mas importa dizer que, passados já quase trinta anos da criação das primeiras bandas de música contemporânea de conteúdo cristão, é mais que passada a hora de uma revisão cuidadosa do conteúdo que sobreviveu ao teste do tempo, bem como do que tem sido despejado no mercado com uma velocidade absolutamente industrial.

É preciso fazer com que a moda e o mercado gospel parem de ditar o conteúdo da nossa liturgia. Eles deveriam, na verdade, ser instrumentos medidores, e não determinantes. Precisamos ser mais críticos quanto ao quê e onde cantamos qual tipo de letra e de música no culto. Por isso, o projeto que a Sociedade pela Liturgia Reformada está lançando inclui dois volumes: um Hinário e um Cancioneiro, que provisoriamente ganham o nome de reformados.

A idéia é de uma cuidadosa revisão da teologia e da música de hinos clássicos e novos, cânticos clássicos e novos, construindo um recurso valioso para todos quantos estão envolvidos na elaboração da liturgia nas igrejas reformadas do Brasil.

Eu, sozinho, não tenho a capacidade teológica e musical de fazer isso. Conto com a contribuição dos leitores, com revisões, encaminhamento de material e tantas sugestões quanto forem possíveis. O projeto ficará hospedado aqui, e eu pretendo dar mais detalhes sobre ele no meu próximo post!

sábado, 12 de julho de 2008

Presbiterato e vestes talares

Um presbítero da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil me mandou, recentemente, um scrap no Orkut, perguntando o seguinte:

Quanto às vestes talares de pastores e leigos, lembro-me (se não me falha a memória) que você indicou um "link" onde mostrava modelos das vestes. Minha pergunta é justamente o que foi discutido na comunidade "Liturgia" a respeito das vestes e o uso pelos Presbíteros, já que a vestimenta está associada ao título de quem a veste, ou seja, Reitor, Reverendo, Juiz, etc. e se para o presbítero poderia haver uma toga que diferenciasse das demais. Desde já, agradeço.



Bom, vamos por partes. O costume cristão bi-milenar é de que todos quantos tenham uma participação na condução do culto estejam trajados de modo a identificá-los como servos consagrados para essas tarefas. É por isso que em igrejas católicas romanas, ortodoxas orientais, anglicanas e luteranas, tanto os ministros como também o coro e os auxiliares (acólitos, ou "coroinhas") sempre tenham uniformes que os identifiquem como tal.

Para mim, isso não é clericalismo, ou uma negação do sacerdócio universal de todos os santos; é apenas um uniforme que identifica quem vai fazer o quê. Isso nivela os participantes, que não serão mais vistos ou identificados por seu gosto (bom ou mau) para roupas, ou pior, pelo seu nível social, perceptível nas marcas que se usa. Eu fiquei extremamente desconfortável na minha adolescência, quando participava do conjunto musical dos jovens, quando alguém da igreja comentou que parecia que só podia subir à frente e participar do conjunto quem vestisse roupas de griffe. E, se parecia, era porque era isso mesmo que se via; tirando eu, que, adolescente desleixado, só vestia calça jeans e camiseta Hering, o resto do povo (especialmente as meninas) parecia pronto para ir desfilar no shopping (que acontecia com freqüência depois do culto). Mas o que importa é que ninguém está ali para se mostrar, ou para ostentar seus gostos e posses pessoais. Por isso, o uniforme ajuda.

Mas tornemos à pergunta do amigo presbítero. Tecidas essas considerações sobre os uniformes dos servos que lideram o culto, isso fica ainda mais patente quanto aos presbíteros. Na minha infância, era comum que todos os presbíteros vestissem terno e gravata para a Santa Ceia. Até os anos 80, era uma coisa uniforme. Mas dos anos 90 para frente, quando mudou a moda no corte dos ternos, ficava aquela coisa ridícula (clique nas palavras para ver do que estou falando): ternos xadrez, quadriculados, gravatas berrantes que eram curtas demais ou compridas demais, com aquelas lapelas que chegavam nos ombros... Enfim, os presbíteros viraram motivo de riso, porque, fora de moda como estavam, pareciam palhaços! E por conta disso, abandonou-se completamente o uso do terno por eles, em todas as igrejas que eu conheço! O efeito disso é fazer parecer que os sacramentos não são mais tão importantes assim, pois para participar da sua ministração, eles estão vindo vestidos casualmente. Um presbítero (atualmente, pastor) que eu conheço, muito gente boa e cuja filha eu já paquerei (hehe), chegou ao ponto de ir de camisa havaiana florida. "Anunciais a morte do Senhor até que ele venha" passou longe desse dia...

Na minha opinião, é interessante que haja um uniforme também para os presbíteros regentes, que reflita que os sacramentos e ritos sacramentais dos quais eles participam (Sagrado Batismo, Sagrada Eucaristia, Profissão de Fé, Ordenação e, em alguns casos, a Unção dos Enfermos) são, em primeiro lugar, atos importantes na vida cristã e, em segundo lugar, atos da Igreja de Cristo (que têm o poder de ligar na terra e no céu, e desligar na terra e no céu).

Mas qual uniforme?

A toga preta no corte de Genebra tem sido reservada, como o amigo consulente mencionou, para aqueles que desempenham o papel de presidência: Reitores, Juízes e Ministros do Evangelho. Em algumas igrejas (sobretudo anglicanas reformadas), os Mestres-de-Capela, embora não sejam sempre ordenados, também a usam. Mas não tenho notícia de presbíteros regentes usando-a.

Vamos, então, nos voltar para a Igreja Cristã bi-milenar.

Na igreja dos primeiros séculos, criou-se o costume dos recém-batizados trajarem-se usando um talar branco, de mangas justas e gola redonda. Essa era a roupa mais formal em uso no Império Romano; em geral, usava-se togas mais curtas, às vezes mesmo sem mangas, como já cansamos de ver nos filmes. Essa túnica talar era especialmente formal, para uso em ocasiões especiais. Por isso, seu uso pelos recém-batizados: eles acabavam de ser incorporados à Igreja de Cristo, e isso, naqueles tempos de perseguição, parecia ter um significado bem mais forte do que hoje infelizmente se vê.

Esse traje foi uma das coisas que a Igreja Católica Romana conservou, apesar das mudanças da moda que as invasões bárbaras ocasionaram (uso de calças e calçados fechados, por exemplo...). É, ainda hoje, vestido nas igrejas (católicas e protestantes, indistintamente) que conservam a tradição cristã ocidental. É a chamada alba, ou alva (foto abaixo).



Ela não é de uso exclusivo de ministros ordenados, mas pode ser usada por todos aqueles que foram batizados em nome da SS. Trindade. Ela é, ainda hoje, usada como a primeira camada de pano dos padres católico-romanos, anglo-católicos e luteranos de high-church, e fica por baixo da casula, como eu já disse no primeiro post do blog.

Então eu creio que a alba é uma boa pedida para ser a base do uniforme dos presbíteros regentes. Mas não só ela.

Como a alba é de uso comum por todos os batizados (e eu acho curioso notar que, de todos os não-conformistas, justamente os batistas conservem o seu uso original, como roupa batismal!), talvez seja interessante adicionar um elemento distintivo, que indique à primeira vista qual a função do servo que a está usando.

Aqui, eu sou a favor do uso da estola de presbítero. Explico-me.

Na tradição da igreja ocidental, geralmente se reconhecem dois ofícios ordenados (diácono e presbítero) e um ofício consagrado (bispo hierárquico). Cada um deles tem a alba como vestimenta-base, mas cada um tem, também, acessórios que permitem identificar prontamente quem é o quê.

O bispo, por exemplo, por cima da alba veste casula e copa (uma espécie de capa), usa um chapéu conhecido como mitra e carrega na mão um cajado chamado báculo. Abaixo, uma foto do Bispo Diocesano de Paisley, na Inglaterra, e seu filho, que é deão da mesma catedral (obviamente, na Igreja Anglicana).


O diácono, por cima da alba veste a sua estola, que tem um design próprio, pendendo de um dos ombros e presa à ponta do lado oposto. Usada deste jeito, ela representa o serviço, lembrando a toalha de que o Senhor Jesus se cingiu para lavar os pés dos Apóstolos (foto abaixo).


Já a estola do presbítero (até a Reforma Protestante, não existia a diferenciação entre presbítero docente e regente) pende livremente, pendurada pelo pescoço. Ela representa o jugo do Senhor Jesus, que é suave (relembrando que "jugo" é sinônimo de canga, a peça que prende o boi para puxar o carro ou o arado). Serve também para lembrar o seu usuário de que ele é servo, e não senhor. Por isso, também prefiro as estolas simples, de tecido liso e bordado discreto, aos festivais de fios de ouro e brocados que se viam na Idade Média.

Interesante notar que, mesmo na conservadoríssima Presbyterian Church of America, muitos ministros têm trocado a toga genebrina pela alba, mantendo a estola. Abaixo, foto de dois ministros da PCA (no púlpito, o Rev. Jeff Meyers, de cujo site tenho tirado muita, mas muita coisa boa, confiram!).


Pois a minha proposta, para os presbíteros que estão a fim de adotar um uniforme, tanto para destacar a natureza eclesiástica da sua função (não é um casamento de cartório, não é uma audiência no fórum, para se usar terno e gravata) como para ressaltar a sua importância (porque não se vai de calça jeans e camiseta pólo para nada importante), é justamente essa: a alba com estola. Não está invadindo a prerrogativa exclusiva de ninguém (como seria se eles resolvessem vestir a toga de Genebra) e ainda respeita 2000 anos de tradição cristã!

sexta-feira, 11 de julho de 2008

MORTE À TIGELINHA!


Na minha opinião, uma das coisas mais pavorosas inventadas pelos avivalistas foi o uso indiscriminado da tigela batismal. Creio que nada expressa melhor a negligência aos sacramentos dos adeptos dessa corrente teológica.



Por que eu digo isso? Porque em todas as igrejas de origem avivalista (me refiro especialmente às protestantes de missão que se instalaram no Brasil -- sobretudo as metodistas, congregacionais e presbiterianas), apesar da predominância do púlpito na arquitetura interna do templo, pelo menos a Mesa da Comunhão costumava ficar constantemente à vista do povo -- se a Santa Ceia não fosse celebrada, pelo menos a Mesa estava lá, como um lembrete constante do sacramento que nos traz à memória o sacrifício vicário do Senhor (as mais antigas, inclusive, com a gravação "Em memória de mim"). Se não era celebrado com freqüência, o sacramento ao menos se mantinha na memória do povo, lembrado pela presença constante da Mesa.

O mesmo não acontecia, em geral, com o sacramento do batismo. Criou-se, por praticidade, economia ou mesmo um estúpido anti-catolicismo, uma grande resistência ao uso de pias batismais, nas igrejas que adotam o batismo por imersão ou efusão. Salvo raríssimas exceções, a maioria delas passou a adotar aquilo que será objeto do meu total desprezo neste artigo: a tigela batismal. Na foto acima, este colunista sendo batizado pelo Rev. Gérson Pires de Camargo, na Igreja Presbiteriana Independente de Ibiporã (PR), no último dia do ano de 1984.

A tigela originalmente foi uma ótima idéia, criada para a administração de batismos de emergência, em que não costuma ser praticável (ou, pelo contrário, poderia ser perigoso) levar o candidato até o templo mais próximo para receber o sacramento. Mas nas igrejas de missão, o que se verificou é que, de exceção extremíssima, o uso da dita cuja virou a regra geral -- tanto que, fora das "catedrais", falar-se em pia batismal dentro de igreja protestante causa surpresa, estupefação e até mesmo revolta!

Mas a sua adoção tão ampla e indiscriminada esbarra em algumas questões.

Primeiro, como dissemos acima, o seu emprego é exageradamente utilitário, estética e cerimonialmente. Como dá pra ver na foto, eu ainda tive a sorte de ser batizado com uma taça de pavê consagrada para uso batismal. Mas boa parte dos meus amigos foi batizada, em outras igrejas, no que pareciam ser velhas escarradeiras de acrílico, ou pior, de lata barata pintada de dourado.

Não se tem a impressão de um instrumento especialmente consagrado para o importantíssimo uso da ministração de um sacramento da Igreja de Cristo. Porque a aparência é justamente de um utensílio qualquer, e a impressão que se tem é de que, para isso, qualquer caneca de alumínio com o emblema do time de futebol do pastor serviria tão bem quanto.

Note-se que, mesmo nas igrejas de liturgia mais baixa, no mínimo o cálice da consagração do vinho na Santa Ceia é prontamente identificável como "não é um cálice comum". E até mesmo as indefectíveis bandejas de alumínio com os abomináveis calicezinhos individuais são identificáveis com seu uso sacramental. E o sacramento do Santo Batismo, que também foi instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo, por que não merece a mesma dignidade?

Segundo, porque mesmo quando é praticado em crianças, além da analogia com a circuncisão, o batismo faz analogia com as purificações cerimoniais dos sacerdotes da Antiga Aliança (que inclusive eram feitas por aspersão). E, exceto quando falta energia elétrica ou água aquecida, ninguém toma banho usando balde, tigela e/ou caneca (sim, eu já tomei, mesmo depois de crescido).

Mas acaso estão nossas igrejas em situação de constante emergência, que não conseguem se preparar para realizar um dos dois ritos mais importantes da fé cristã de forma adequada e digna, e que precise fazê-lo como se estivesse em infindável penúria ou economia de guerra?

Ora, se é pra "lavar", lave-se direito. Ou de corpo inteiro, como os ortodoxos orientais (três imersões completas, uma para cada pessoa da SS. Trindade, pra afogar de vergonha o batista mais radical), ou pelo menos tenha-se a dignidade de lavar na pia!

Terceiro, a questão da dignidade e da centralidade do sacramento na vida da igreja.

O Sagrado Batismo é o rito que marca a entrada da pessoa na igreja. Seja criança ou adulto, filho de pais cristãos ou novo convertido, pelo Batismo a pessoa é incorporada ao Corpo de Cristo (pleonasmo intencional). O batismo não é um sinal, não é apenas um ato simbólico. Como sacramento, ele carrega consigo, através dos elementos concretos, uma realidade espiritual, ou sacramental. Fisicamente, o batizado fica molhado, e logo depois é seco de novo. Mas sacramentalmente, aquela pessoa está marcada como membro da comunidade da Aliança. Passa a fazer parte dela, a receber todos os efeitos e benefícios que decorrem disso.

O Sagrado Batismo é tão importante quanto a Sagrada Eucaristia, porque é por meio daquele que se ganha acesso a esta (a menos que se considere a Confirmação/Profissão de Fé um sacramento também). E, justamente por isso, merece o mesmo destaque que recebem a proclamação da Palavra e a Eucaristia, com seus instrumentos de realização constantemente presentes e visíveis no presbitério, diante do qual, ou em torno do qual, a congregação dos santos se reúne dominicalmente para render culto ao Senhor.

Por essas razões, eu, seguindo algumas opiniões de peso (como o Rev. Carlos Alberto Fernandes e a Comissão de Liturgia da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil), rejeito o uso da tigela batismal como instrumento ordinário da ministração do Sagrado Batismo.

Também por isso, eu rejeito a posição tradicional na qual católicos romanos, anglicanos e luteranos geralmente colocam a pia batismal, no fundo do templo. É pouco prático para a congregação se reunir em torno dele, além de permanecer fora do campo de visão de todos exceto o ministro, no decorrer dos demais cultos.

O lugar da pia batismal é junto da mesa, do púlpito e da estante de leituras, no presbitério.

Para quem quer mandar fazer uma, uma sugestão: tradicionalmente, sobre um pedestal de madeira ou pedra, assenta-se uma base, também de madeira ou pedra, de formato octogonal (o formato tem um significado próprio, comprido demais para descrever aqui; em resumo, ele simboliza a eternidade, a velha e a nova criações -- em sete dias tudo foi criado; mas no oitavo, que é também o primeiro, tudo se fez novo com a ressurreição do Senhor!)

Nessa base octogonal, pode ser escavada ou encaixada a cuba da pia. Na base, também, podem ser feitas gravações; a mais tradicional delas é gravar, ou insculpir, à borda da cuba, a fórmula trinitária. É comum gravar, também, símbolos tradicionais do Cristianismo. Abaixo, exemplos de boas e bonitas fontes batismais:

Rev. José Salvador, batizando adultos na Igreja Evangélica Presbiteriana de Febo Moniz, Lisboa, Portugal. Reparem na fórmula trinitária na base da pia.


Rev. José Manuel Leite, instantes antes de molhar a cabeça do preocupado bebezinho, na Igreja Evangélica Presbiteriana do Bebedouro, em Montemor-o-Velho, Portugal. Alfa e Ômega gravados em dourado na base da pia.

Pia da Catedral (Católica Romana) do Rio de Janeiro.

Testes e rótulos

Acho que uma das coisas mais viciantes da internet são esses testezinhos que te dizem, a sério ou não, que tipo de pessoa você é. Lógico, encaixar uma pessoa em um rótulo é sempre perigoso; ninguém é igual a ninguém!

Mas é divertido! Hoje, respondi dois deles, um em inglês e outro em português, este último mais voltado pro público da IPB. Divirtam-se (e se quiserem, postem seus resultados nos comentários!).








What's your theological worldview?
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You scored as Neo orthodox

You are neo-orthodox. You reject the human-centredness and scepticism of liberal theology, but neither do you go to the other extreme and make the Bible the central issue for faith. You believe that Christ is God's most important revelation to humanity, and the Trinity is hugely important in your theology. The Bible is also important because it points us to the revelation of Christ. You are influenced by Karl Barth and P T Forsyth.


Neo orthodox


96%

Reformed Evangelical


64%

Emergent/Postmodern


61%

Roman Catholic


61%

Evangelical Holiness/Wesleyan


57%

Modern Liberal


32%

Classical Liberal


32%

Fundamentalist


21%

Charismatic/Pentecostal


0%









Qual é o seu perfil dentro da IPB?
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You scored as Neo-ortodoxo

Parabéns, você é um neo-ortodoxo. Valoriza as fontes da tradição reformada, mas reconhece os esforços da exegese crítica. Procure e encontrará seus pares na IPB.


Neo-ortodoxo


100%

Liberal


61%

Fundamentalista


4%

Puritano


0%

Carismático


0%


quarta-feira, 9 de julho de 2008

Presbiterianos & liturgia, parte 7

O serviço de Deus através do ministro

Por Jeffrey J. Meyers

(continuação da parte 6)
(leia o original aqui)

Vamos pensar no desaparecimento do pastor como representante do Senhor e seu porta-voz, em muitos cultos que se vêem por aí. Muitos pastores não dirigem mais o culto dominical. Esse afastamento do papel de liderança do pastor no culto contemporâneo decorre desse tipo de concepção unilateral do culto dominical que eu venho criticando.

Se o que as pessoas estão fazendo no culto é simplesmente se reunirem para render louvor e orações, e oferecer a Deus toda sorte de devoção humana, então nós podemos mesmo simplesmente nos reunir para fazer isso juntos, e qualquer um pode liderar. Se, no entanto, o próprio Senhor Deus é quem nos vem encontrar e nos conceder suas dádivas, então o ministro ordenado terá um papel de destaque, de modo que as pessoas não tenham dúvida de que é o próprio Senhor quem está falando, absolvendo, batizando, nos oferecendo alimento e bebida, e finalmente nos abençoando e nos enviando ao mundo para aumentar seu reino.



É claro, isto não quer dizer que o Senhor nos serve no culto exclusivamente através do pastor, visto que Deus também opera através das orações comunitárias, recitações e canto da congregação. Quantas vezes nós fomos verdadeiramente servidos por Deus enquanto ouvíamos e nos uníamos à voz unida da igreja, em oração e louvor? O Senhor, portanto, nos serve no culto dominical de modo que seu Espírito fale tanto pela voz do ministro como pelas vozes de seu povo. Mas deve haver uma certa prioridade dada às palavras e ações do ministro no culto dominical.

É por isso que o ministro que lidera o culto deve ser um homem ordenado. Por questão de seu ofício, ele deve representar o Noivo da noiva. Uma mulher não poderia fazê-lo. Isto faria destoar a própria estrutura dos papéis de relações dentro da igreja e do lar. O simbolismo da liderança masculina deve ser mantida na liturgia comunitária da igreja.

A igreja submete-se ao seu Senhor enquanto recebe dele a Palavra e os Sacramentos pela boca e mãos do pastor. O padrão de liderança masculina está enraizado profundamente na ordem criada (Gn 2.15-24; 3.15-19; I Tm 2.11-15; I Pe 3.1-7), bem como na ordem re-criada (I Co 11.3-16; 14.33-35; Ef 5.22-33). Esses papéis de relacionamento não são negociáveis. C. S. Lewis diz: "Eu estou esmagadoramente consciente de quão inadequados a maioria de nós somos, em nossas verdadeiras e históricas atualidades, para desempenhar o papel que é preparado para nós. Mas há um velho ditado militar que diz que você faz continência para o uniforme, e não quem o veste. Somente alguém vestindo o uniforme masculino pode (provisionalmente e até a Parousia) representar o Senhor da Igreja: pois todos nós somos, comunitária e individualmente, femininos para ele. Nós, homens, damos péssimos sacerdotes. Isso porque nós somos insuficientemente masculinos. Não há cura para aqueles de nós que não são, absolutamente, nada masculinos. Um dado homem pode dar um marido muito ruim; você não pode consertar isso invertendo os papéis. Ele pode ser um mau parceiro de dança. A cura para isso é que os homens devam freqüentar com maior empenho aulas de dança, e não que a pista de dança passe a ignorar distinções de sexo e tratar a todos os dançarinos como neutros."(citado in Credenda Agenda 11/2 [1999]: 3).

Continua na parte 8.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Presbiterianos & liturgia, parte 6.

Por Jeffrey Meyers

(continuação da parte 5)
(leia o original aqui)

Mais algumas reflexões sobre o serviço de Deus a nós

Primeiro, vamos nos lembrar de que o tabernáculo, o templo, os sacrifícios e o sacerdócio de Israel foram um serviço de Deus para Israel e a humanidade. Deus não precisava do louvor deles. Esse arranjo litúrgico foi seu generoso presente para seu povo e o mundo. Quando os israelitas chegaram à conclusão de que estavam fazendo algo para Deus, dando alguma coisa para ele, eles foram rejeitados pelo Senhor. Consideremos o Salmo 50.8-15:

Não o acuso pelos seus sacrifícios,
nem pelos holocaustos,
que você sempre me oferece.
Não tenho necessidade
de nenhum novilho dos seus estábulos,
nem dos bodes dos seus currais,
pois todos os animais da floresta são meus,
como são as cabeças de gado
aos milhares nas colinas.
Conheço todas as aves dos montes,
e cuido das criaturas do campo.
Se eu tivesse fome, precisaria dizer a você?
Pois o mundo é meu, e tudo o que nele existe.
Acaso como carne de touros
ou bebo sangue de bodes?
Ofereça a Deus em sacrifício a sua gratidão,
cumpra os seus votos para com o Altíssimo,
e clame a mim no dia da angústia;
eu o livrarei, e você me honrará.


De acordo com o Salmo 50, a forma pela qual nós glorificamos a Deus é clamando a ele no dia da angústia e permitindo que ele seja o nosso livrador. Ao depender de seu serviço divino, nós, em última análise, o glorificamos. Pois é justamente isso que o culto dominical é. O serviço de Deus a nós, não o nosso a ele em primeiro lugar. Segundo, se o único propósito do culto dominical for a reunião de indivíduos para louvar a Deus, orar e oferecer a ele todo tipo de devoção humana, então alguma coisa está perigosamente invertida. Como calvinistas, nós deveríamos enxergar a ameaça pelagiana que se esconde por trás de uma idéia tão unilateral. E como o pelagianismo anda de mãos dadas com uma concepção unitarista de Deus, não surpreende que um culto moldado por essa idéia tenda a ignorar a Trindade.
Na liturgia tradicional, o serviço de Deus em nosso benefício tem uma forma distintamente trinitária. O serviço de Deus a nós é graciosamente nos trazer à presença do Pai em união Espiritual com o Deus-Homem, Jesus Cristo. Jesus Cristo, homem, é o único mediador entre Deus e os homens. Ele é o sacerdote. Ele se oferece como homem perante o Pai, e o faz como Representante da Humanidade, o Sumo Sacerdote da humanidade redimida. Ele nos assiste em achegarmo-nos a Deus. É esse o papel de um sacerdote.John Thompson o descreve assim: “Jesus Cristo é, portanto, o único verdadeiro adorador. Pelo Espírito Santo, nós somos levados ao louvor e à resposta que Cristo oferece ao Pai. A nossa é a resposta da resposta. O Espírito é que possibilita isso, dando o que ele exige, que é o louvor dos nossos corações e de nossas vidas.” (Modern Trinitarian Perspectives [New York: Oxford University PRess, 1994], p. 100). Novamente, o que isso quer dizer é que “culto” não é fundamentalmente o que fazemos. Antes, é aquilo que nos é graciosamente dado, bem como o que nos é dado fazer, em Cristo. Culto é o serviço do Deus Triúno à congregação. Creio que T. F. Torrance esteja certo, ao dizer que tem alguma coisa grotescamente unitarista, até mesmo pelagiana, na concepção popular de culto do evangelicalismo. Deus está distante e nós nos aproximamos e fazemos todo tipo de coisas diante dele para agradá-lo. Considerem isto: há um significado profundo em que nosso culto não seja meramente coram Deo, ou coram Trinitate [“diante de Deus”, ou “diante da Trindade”, N. do T.], ou mesmo ad Deum ou ad Trinitatem [“dirigido a Deus”, ou “dirigido à Trindade”, N. do T.], mas sim in Trinitate [“na Trindade”, N. do T.] (isto é, “por meio da” Trindade, ou mesmo no sentido espacial de estar “em”). Uma concepção trinitariana de culto reconhece os dois movimentos de Deus: 1) de Deus para a humanidade – do Pai, através do Filho, pelo Espírito, para redimir o homem; e 2) da humanidade para Deus – na direção inversa – pelo Espírito, através do Filho, para o Pai. É assim que nossa resposta é incluída nesse serviço, pois nós só temos como responder se o fizermos em união com a resposta sacerdotal de Jesus Cristo. Mesmo a nossa resposta é uma dádiva.
Somente uma liturgia cuidadosamente construída pode assegurar que a congregação não escorregue para um “culto” pelagiano ou unitarista. Tradicionalmente, a liturgia cristã tem buscado incorporar o serviço de Deus pelo seu povo, bem como a resposta apropriada de louvor, pelo povo. Falarei mais sobre isso no próximo post.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Presbiterianos & liturgia - Parte 5

Entendendo mal o propósito do culto dominical

Por Jeffrey Meyers

(leia o original aqui)

No meu último post sobre este assunto, eu disse que um dos motivos pelos quais presbiterianos não compreendem e não apreciam a liturgia é a compreensão inadequada do que deve acontecer no Dia do Senhor. Presbiterianos não gostam de liturgia porque não têm cuidado de descobrir qual o propósito fundamental de se reunir no domingo.

Nós somos reunidos por Deus para sermos servidos por ele. O culto dominical é, acima de tudo, o serviço de Deus em nosso favor. Ele nos conduz à sua presença vivificante. Ele nos concede. Nós nos achegamos para receber as dádivas de Deus.



Uma vez, eu conversei com um ministro presbiteriano que estava promovendo seminários sobre o culto reformado por todo o país. Ele sabia do meu interesse pelo assunto e queria me contar o que vinha fazendo. “A primeira e mais importante colocação que eu faço nos meus seminários”, ele disse, “é que o culto reformado é glorificar a Deus. Nós não nos reunimos para receber nada de Deus, nós vamos para dar a ele nosso louvor e honra. Isso é o que marca o culto reformado!”

Bom, eu pensei, isso pode ser verdade e, se for, é um dos motivos pelos quais o povo reformado não consegue se identificar com um culto liturgicamente estruturado. Eles não vêm para receber nada de Deus durante o culto (com a exceção, talvez, do sermão); ao contrário, eles vêm para dar-lhe honra e louvor. Embora tenha se tornado um meio de verificação em meios reformados, esse argumento merece ser questionado. O propósito do culto dominical não é simplesmente louvar.

Muitas obras reformadas sobre o culto adotam essa posição. A primeira frase do livro Worship in Spirit and Truth [“Louvai em espírito e em verdade”, N. do T.] (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1996) é a seguinte: “O culto é a obra de reconhecer a grandeza de nosso Senhor da Aliança” (p. 1, ênfase do autor). Ele parte dessa definição ao longo de todo o livro. Eu poderia citar outros autores reformados mais recentes, com o mesmo teor. A maioria deles define o culto como o que o povo de Deus faz, o serviço que eles executam no Dia do Senhor, especificamente a adoração, louvor e honra que eles tributam a Deus.

Certamente, há numerosas passagens que nos exortam a “louvar ao Senhor” e “adorá-lo”. Eu gostaria de alertá-lo, contudo, que em muitos casos a palavra “adorar” não nos tem servido muito bem. Ela não é a melhor tradução das palavras que eram usadas para designar “curvar-se” ou “prostrar-se” (por exemplo, no Salmo 95.6).

Por exemplo, quando somos chamados a “nos prostrar” perante o Senhor, isso não corresponde exatamente ao significado que damos à palavra “adorar”. Lançar-se perante o Senhor é permitir-se ser levantado por ele. É entregar-se ao serviço do Senhor. Com efeito, lancar-se perante o Senhor nos coloca em posição de sermos servidos por ele. Assim, nesses textos, há muito mais do que apenas tributar “louvores” e “honras” a Deus.

Mais do que isso, é muito comum em nosso meio que a entrega de louvores e glórias a Deus seja colocada em oposição à expectativa do adorador de receber qualquer coisa de Deus na igreja. É exatamente essa unilateralidade do “culto é igual a louvor”, que eu creio ser o verdadeiro problema das igrejas reformadas.

Essa postura, às vezes, está vinculada à assertiva, supostamente super-espiritual, de que “nós nos reunimos apenas para louvar a Deus, sem nenhum interesse no que nós podemos receber dele”. E eu afirmo que isso é besteira antibíblica, que pode, e com efeito costuma se infiltrar entre nós como uma ladainha de adoração.

Para nós, como criaturas de Deus, não se pode conceber tal coisa de “louvor desinteressado”. Nós simplesmente não podemos amar ou louvar a Deus pelo que ele é, de maneira desvinculada do que ele nos deu ou do que nós continuamos a receber dele. Nós não somos iguais a ele. A idéia de que puro amor e louvor a Deus só podem ser dados quando desvinculados de tudo quanto ele nos tem feito, não tem qualquer embasamento bíblico. É claro que ela soa bem espiritual e piedosa. Ela até pode ser entendida como renúncia de si mesmo.

Mas a verdade é que não existe esse tal louvor na Bíblia, pelo simples motivo de que não temos como nos achegar a Deus como seres desinteressados, auto-suficientes. Nós somos seres criados. Seres dependentes. Seres que precisam, continuamente, receber de Deus tanto sua vida como sua redenção. Nosso culto a Deus, por esse motivo, necessária e primariamente envolve nossa recepção passiva de suas dádivas, tanto quanto do nosso tributo de ação de graças e nossas súplicas. Não podemos fingir que não dependemos dele. Nós sempre seremos receptores e suplicantes perante Deus. Nossa condição de receptores nos é tão intrínseca quanto nossa dependência. Nós devemos ser servidos por ele. Reconhecer isto é a verdadeira espiritualidade. Abrir-se a essa verdade é o primeiro movimento no nosso “culto”; na verdade, é o pressuposto de todo o culto comunitário. É a postura de fé perante nosso Deus, Todo-suficiente benfeitor. O louvor se segue a isso e não pode ser, isolado, o propósito exclusivo da nossa reunião no Dia do Senhor.

Portanto, acima de tudo, quando nos reunimos no Dia do Senhor, somos chamados por ele para receber, para obter. Isso é fundamental. O Senhor dá, nós recebemos. Visto que a fé é receptiva e passiva em sua natureza, um culto “pela fé” (ou seja, fiel – N. do T.) tem tudo a ver com receber de Deus. Nós recebemos o seu perdão, sua instrução, sua nutrição, sua bênção etc. Nós nos achegamos como aqueles que primeiro recebem, e então, em segundo, apenas em uma troca recíproca, devolvemos aquilo que é apropriado, que são gratos louvores e adoração.

Mais e mais, estou descobrindo quão crucial (pelo menos na atual situação) é essa concepção de culto. É muito freqüente nos círculos reformados e evangélicos que o termo “liturgia” seja traduzido como “o serviço do povo”. Conquanto eu não negue que nós “servimos” durante o culto, eu considero essa concepção perigosamente unilateral. O que quer que nós “façamos” durante o culto, deverá ser sempre uma fiel resposta às dádivas de Deus, de perdão, vida, conhecimento e glória – dádivas que recebemos no culto!

Muito do que se entende por “culto contemporâneo” tem esvaziado o culto dominical do serviço de Deus ao homem! É sempre voltado para o que nós fazemos. A redução do culto cristão a “louvar” e “dar honra ao Senhor”, mesmo que pelo bem-intencionado desejo dos pastores de livrar o culto de formas superficiais de culto, continuará sempre a alimentar isso mesmo que eles vêm combatendo.

Eu ainda tenho mais a dizer sobre isso, então concluirei esse raciocínio em outro post.