quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Ordem no Culto

Por Cláudio Marra

Artigo originalmente publicado em
Servos Ordenados n. 5, abr/jun 2005, p. 32.


Ordem. Aí está uma boa palavra do vocabulário presbiteriano. Ou, pelo menos, já foi. É que as nossas preocupações em relação ao culto passaram a ser de outra ordem (sem trocadilho). Há pastores e Conselhos que tentam sempre novas propostas, preocupados em não perder assistência. Para outros, o importante é voltarmos ao modelo litúrgico antigo. Mas qual? Seria bíblico? Finalmente, há os que acionam o piloto automático e não se preocupam: o que rolar, rolou. O que fazer?

Calvino praticava um modelo simples de programa de culto, sob o tema geral da soberania de Deus. A declaração de abertura O meu socorro vem do Senhor que fez o céu e a tera não era simples formalidade e o convite à adoração empregando as palavras do próprio salmista eram certamente melhores que o pobre boa-noite irmãos que ouvimos hoje, emblemático da descontração e informalidade de nossos dias, mesmo diante do Todo-poderoso [1].

A Igreja Católica havia decretado e atribuíra valor cúltico e salvífico a ritos e cerimônias que Calvino denunciou como ordenanças humanas. Ele admitiu a necessidade de ritos para a própria manutenção da ordem, mas insistiu que eles fossem calcados na Escritura. Além disso, que não recebessem o valor que o catolicismo lhes atribuíra, devendo ser seu mérito reavaliado para serem substituídos, se necessário, "...porque na disciplina exterior e nas cerimônias, ele [o Mestre] não quis prescrever minuciosamente o que devamos seguir (pois isso dependeria das condições dos tempos, nem conviria a todos os séculos uma forma única)." Para serem mantidos ou substituídos, esses ritos deveriam ser avaliados em relação à ordem e ao decoro: "...não estimemos o culto de Deus melhor pela multidão de cerimônias", mas com prudências: "...não se deve recorrer à inovação de modo inconsiderado, nem seguidamente ou por motivos triviais" (IRC IV.x.6-32).

Ordem no culto não tem necessariamente a ver com a escolha entre um novo criativo e um antigo engessado. Precisamos de uma definição de culto e do seu objetivo (Sl 95.1, 7; 96.7-9). Será didático ter um tema específico para cada programa de culto, mas o nosso tema geral precisa voltar a ser a soberania de Deus, ou seja, nenhuma parte enfocará nada ou ninguém que não seja o Senhor. Atendendo à convocação divina, nos concentramos na adoração. Juntos, nos voltamos para a majestade de Deus com reverência e temor. Ninguém vai querer fazer gracinha nessa hora, nem apresentar visitantes ou bater palmas para o conjunto coral.

Será positivo incluir no programa o que a igreja primitiva também incluiu (ver Princípios de Liturgia, arts. 7 e 8). Havia a doutrina dos apóstolos (não seria hoje a opinião do pastor sobre seu tema preferido, mas a fiel exposição de uma passagem bíblica); o partir do pão e as orações (At 2.42); havia a entrega de oferta para os necessitados (2.45; 4.34, 35); havia decisões (4.4) e os convertidos eram batizados (2.41). A igreja louvava ao Senhor com salmos, hinos e cânticos espirituais (2.47; Ef. 5.19, 20). Isso não significa que, de repente, o culto era suspenso para uma bateria de cânticos, um rito que está na moda entre nós, graças à orientação equivocada ou ausente do pastor e do Conselho. Poucas coisas ferem mais a ordem do culto do que essa cerimônia assim chamada momento do louvor ou período de cânticos. Anunciadas pelo dirigente, pessoas levantam-se de diferentes candos do salão de cultos e desfilam para a frente ao som dos saltos de seus sapatos. Microfones são testados, o maninho da transparência pergunta a alguém qual vai ser o primeiro e o tecladista procura a posição certa para as chaves e teclas. Tudo muito litúrgico. Aí cantamos letras discutíveis sobre temas diversos, tudo entremeado por discursos opinativos recheados de constrangedores e interrogativos amém, irmãos?. Por amor à ordem e à didática seria melhor distribuir hinos e cânticos [2] ao longo o programa, de acordo com o assunto. Isso evitaria conflito de temas e outras desordens.

Ordem no culto deverá ser preocupação do pastor e do Conselho, que orarão e estudarão juntos a respeito. Eu sei que é função privativa do ministro "orientar e supervisionar a liturgia na igreja de que é pastor" (CIPB, art. 31, alínea d). Mas também que é função do Conselho "exercer o governo espiritual ... da igreja" e "resolver caso de dúvida sobre doutrina e prática, para orientação da consciência cristã" (art. 83, alíneas a e n). Então, a partir do projeto integral de educação [3] traçado pelo Conselho, o pastor preparará os temas para os cultos e depois, ao longo do ano, orientará a preparação de cada programa de acordo com o seu tema, incluindo as partes sugeridas acima e outras biblicamente justificadas. Um importante passo para se ter ordem no culto.

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[1] Aliás, o "boa noite" reflete uma compreensão equivocada do culto, como se o dirigente recebesse os fiéis. Na verdade, o dirigente e os fiéis são recebidos por Deus.

[2] Com revisão gramatical, musical e teológica feitas por uma equipe capacitada.

[3] Ver Servos Ordenados n. 4, p. 32.


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O Rev. Cláudio Marra é ministro presbiteriano, jornalista e Editor-Chefe da Casa Editora Presbiteriana.