sábado, 2 de janeiro de 2010

Liberdade com ordem

Caiu-me às mãos esta semana um fac-simile em PDF da primeira edição do Book of Common Worship, o manual de culto da Igreja Presbiteriana dos EUA (PCUSA), datada de 1906. Meses atrás, eu publiquei uma crítica do New York Times sobre o (então) novo manual, analisando as razões e possíveis desdobramentos de uma tal edição em um meio que até então (lá), como hoje (aqui) prima pela resistência a formas fixas para a celebração do Culto Público, seja por medo dos ministros de perder "para um livro" o controle da liturgia, que é uma de suas poucas prerrogativas constitucionais, seja por preconceito contra o catolicismo romano e outras tradições cristãs mais afeitas a liturgias mais bem-elaboradas.

Agora, com o volume em mãos, acho pertinente traduzir e publicar aqui o seu prefácio, o que passo a fazer agora.


PREFÁCIO

Dentre as igrejas do Senhor Jesus Cristo que adotam o governo presbieriano, a liberdade de culto tem sido estimada como um preciosíssimo privilégio e herança; e, conquanto elas tenham sido intrépidas e fiéis em sua guarda contra a intrusão de cerimônias supersticiosas e pesadas, elas também têm sido diligentes em buscar, nos trabalhos e ofícios religiosos, o meio-termo entre uma frouxidão excessiva e a uniformidade tirânica. Tudo quanto é instrução divina elas o observam em cada ordenança, enquanto o demais, elas se dedicaram a disciplinar "de acordo com as regras da prudência cristã, de conformidade com as regras gerais da Palavra de Deus" [citação do Diretório de Culto de Westminster, N. do T.].

Embora os Livros de Ordem Comum, que foram preparados pelas igrejas reformadas em sua aurora em todos os países, tenham contido igualmente as formas e orações, tais livros não foram tanto impostos por meio de inflexível legislação, mas antes, oferecidos e aceitos como pertinentes auxílios ao Culto; eles não apenas permitiam, como encorajavam a prática da oração livre. Em tal espírito o Diretório de Culto, adotado posteriormente pela Igreja da Escócia, para o bem da unidade com seus irmãos da Igreja da Inglaterra, longe de estabelecer uma forma invariável para o Culto Público, expressamente proveu a liberdade de variação; e não proibiu, de forma alguma, o uso de ordens e orações preparados, de conformidade com as instruções gerais de seu corpo.

A mesma sábia e feliz liberdade tem sido mantida na Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América até o dia de hoje. Por conseguinte, bem pareceu à Assembléia Geral de 1903, atendendo ao anseio de muitos pastores e igrejas, nomear uma Comissão de Ministros e Presbíteros Regentes que deveriam preparar "em conformidade com o Diretório de Culto, um Livro de Formas e Ofícios simplificado, adequado e útil ao uso voluntário das Igrejas Presbiterianas, para a celebração dos Sacramentos, Bênçãos Nupciais e Funerais, e a condução do Culto Público." Esta obra foi encaminhada, em fiel obediência e na humilde dependência do Espírito Santo, ao longo de três anos de labor paciente, e foi submetida, ainda em andamento, a duas Assembléias consecutivas. Os princípios que nortearam esta obra foram aprovados, e sua conclusão foi ordenada. E tal se deu, tanto quanto Deus nos permitiu, neste Livro que ora apresentamos, e agora é publicado para a finalidade determinada pela Assembléia Geral de 1905.

Este Livro de Culto Comum é, portanto, não para ser encarado como uma liturgia imposta por força de hierarquia. Nem tampouco se trata de substituto para o Diretório de Culto, senão como um complemento deste, cujos padrões são obedecidos em todos os pontos essenciais, e onde auxílio se oferece àqueles que o desejam, para a condução dos trabalhos e ofícios religiosos com reverência e propriedade. Nós temos avidamente estudado, no fito de incorporar as verdades de nossa santa religião à linguagem da ordeira devoção, de modo que pela ministração dos Sacramentos, a observância do Dia do Senhor e todos os ritos e ofícios comuns e ocasionais da Igreja, os homens possam ser instruídos e confirmados na fé de Jesus Cristo. Nós buscamos as Sagradas Escrituras, o uso das igrejas reformadas e os tesouros devocionais do Cristianismo primitivo, pelas mais nobres, claras e tocantes expressões do Espírito de louvor e oração; e temos adicionado a tais antigas e veneráveis formas e modelos, outros que podem ser úteis, sob a orientação do mesmo Espírito, de modo a dar voz a necessidades atuais, a anseios urgentes e esperanças vitais da Igreja que vive nestes últimos dias e na liberdade desta República.

No que concerne à forma com que os diferentes ofícios estão ordenados e organizados, e a melhor forma pela qual eles podem ser usados para a edificação, algumas sugestões são oferecidas nas páginas que seguem a este Prefácio; e, ao longo do Livro, o leitor atento encontrará instruções que precedem as várias partes dos cultos, não apenas para destacar seu significado espiritual, mas também para permitir que todo o povo se una nos atos do culto, de modo que todas as coisas sejam feitas decentemente e em ordem. As rubricas mais longas e mais importantes são transcritas do Diretório de Culto desta Igreja, que reprova, igualmente, o "confinamento dos ministros a formas fixas ou determinadas de oração no culto público" e o deixar que o culto divino seja lançado em ignomínia pelas suas "vis, irregulares ou extravagantes efusões". Deve-se lembrar, portanto, que as formas aqui oferecidas devem ser adotadas somente "se o Ministro assim o desejar", como um auxílio ao Culto Público, e não sem constante cuidado e diligência, pela "familiaridade com as Sagradas Escrituras, pela meditação, pela leitura dos melhores autores sobre o assunto e por uma vida de íntima comunhão com Deus, na busca pelo desenvolvimento do espírito e do dom da oração." [citação do DCW, N. do T.]

No Repositório de Orações, muitas coisas foram reunidas que podem ser não apenas úteis, de tempos em tempos, na condução dos Cultos Públicos, mas também úteis para a leitura e estudo, para o uso na devoção particular e no resgate do Culto Familiar, grandemente necessário em todas as nossas igrejas. É nossa esperança, portanto, que todo este Livro, tendo sido preparado com o desejo sincero de promover o conhecimento da salvação e da verdadeira devoção, possa ser recebido, estudado e empregado pelos fiéis membros desta Igreja e por fiéis cristãos de algures, no espírito de candura, simplicidade e amor fraternal; devotamente meditando sobre o real significado da fé cristã, e ansiando por adornar o Evangelho de Deus, Nosso Salvador, em todas as coisas. E para este fim, nós rogamos para que o Espírito Santo abençoe e acompanhe este Livro com sua onipresente graça, de modo que onde quer que ele seja empregado, os corações dos homens verdadeiramente sejam conduzidos ao trono da divina misericórdia, e que todos os povos encontrem conforto, alegria e força ao se unirem no Culto Comum de Deus, revelado em Jesus Cristo, nosso amorável Redentor.


A COMISSÃO DA ASSEMBLÉIA

Henry van Dyke, Presidente
Louis F. Benson
John De Witt
Charles Cuthbert Hall
John Clark Hill
W. Beatty Jennings
James D. Moffat
W. Robson Notman
William R. Richards
James H. Snowden
William R. Taylor
Ministros

Nolan R. Best
John H. Converse
Homer Lee
John E. Parsons
Robert N. Willson
Presbíteros Regentes

3 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Caríssimo Eduardo,
Parabéns pela tradução. Se possível, gostaria de receber o tal arquivo em PDF. Eu vejo com bons olhos a última edição do Book of Common Worship da PCUSA. Mesmo sem o peso histórico do Missal ou do LOC, ele oferece inúmeros e valiosos recursos para o preparo de um excelente serviço. E a tal "liberdade" pode ser uma coisa muito boa (ou nao...rs). Sua "abertura" dá esta liberdade para a produção duma liturgia de fato ecumênica, visto que ao não seguir uma ordem fixa para cada domingo, o liturgo pode construir uma liturgia tomando de empréstimo o q de melhor há nas diferentes tradições cristãs. Só dá mais trabalho elaborar a liturgia assim do q te-la desde sempre preparada no livro. Uso o BCW todos os domingos e, considerando q não temos na IPB um manual de Culto de verdade e, mesmo o da IPI, um pouco mais elaborado, é sofrível diante da tradição litúrgica ocidental e reformada, tanto o livro de 1906 quanto a última edição do BCW são verdadeiros bálsamos para nós. Em tempo: te envio esta semana a liturgia de nossa pequena paróquia para amanhã. Será uma honra para nossa igrejinha da IPB cá no alto dum morro carioca, figurar entre suas indicações de igrejas de liturgia autenticamente reformada na pátria amada... =) Prova de q liturgia "high chuch" - entenda-se, bela, histórica, formal e teocêntrica - não é coisa de burguês ou de europeu!
PAZ E BEM

Eduardo H. Chagas disse...

Reverendo!

Acho que já te vi pelo Orkut, não?

Só preciso de seu e-mail ou msn para lhe mandar o livro. Ficarei feliz em publicar a ordem litúrgica da igreja de vocês, e orgulhoso em incluí-la no rol da resistência! hehe

Concordo que o movimento high church não é coisa de burguês! Não o era na Inglaterra industrial do século retrasado, onde, no meio das paróquias perdidas do proletariado suburbano de Londres, viu o ápice de seu crescimento, e não precisa ser hoje, para nós!

Só depende da docência!

Um abraço!