segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O Culto Divino e a reverência

Dr. Dean Wenthe
Originalmente publicado em Lutheran worship notes, n. 31, 1995.

Na cultura contemporânea, a palavra "reverência" com frequência traz uma conotação de artificialidade. Reverência, para muitos, sugere o que é externo e formal, em contraste com o que é interno e real. Ao mesmo tempo, o que é informal e casual é visto como autêntico e verdadeiro.



É uma coisa tão americana quanto torta de maçã, o questionar qualquer um que presuma que merece nossa reverência e respeito. Desde o Rei George da Inglaterra até o presente, os americanos desprezam distinções que ponham pessoas em patamares diferentes. "O Rei George também é gente", diziam. Queremos que nossos líderes sejam "um de nós".

Porém, por mais que essas assertivas sejam úteis no campo da política, é importante questionar seu valor no culto. Será mesmo, por exemplo, que um culto mais casual e sem muita estrutura é mais autêntico e verdadeiro? Ou ainda, será mesmo que um culto "reverente" denota que estejamos mortos e destituídos de um espírito verdadeiro?

Essas perguntas são importantes por vários motivos. Primeiro, poucos duvidariam que a maioria dos cristãos constroem o que pensam a respeito de Deus em torno do que vivenciam no culto dominical. A leitura da Bíblia, devocionais e ensino doutrinário ainda são uma dificuldade para muitos cristãos. O culto dominical é o momento estratégico para os alcançar, ensinar e nutrir. Segundo, enquanto a maioria dos luteranos historicamente guardam o culto dominical como uma ocasião própria para ser "reverente", vozes significativas agora questionam se um modo mais casual e informal de culto não seria melhor para o trabalho de alcance da Igreja.

O que está em jogo neste debate? Será um debate sobre questões relativamente irrelevantes? Ou será a questão algo mais fundamental? Simplificando, será a "reverência" necessária para o culto? Para responder a estas questões, é crucial que façamos mais do que distribuir questionários! Se alguém conduzisse uma pesquisa de opinião antes do Dilúvio, a resposta teria sido óbvia: "Claro que não! Jamais houve, nem haverá uma inundação dessas". As nossas "necessidades percebidas" não são necessariamente nossas reais necessidades. Seria inapropriado para o nosso médico dizer "Que tipo de doença você gostaria? Que tipo de tratamento lhe agrada mais?"

Nada disso. Se essas questões devem ser abordadas de maneira honesta e rigorosa, precisamos recorrer a Deus, de quem Noé, Moisés e todos os santos buscaram suas respostas. Este Deus revela-se a si mesmo na história de Israel e na vida de Jesus. As Escrituras proféticas e apostólicas falam com clareza sobre este Deus. "Como?", pode-se perguntar. Onde há uma passagem bíblica que diga "como" devemos cultuar? Em que lugar a Bíblia levanta a "reverência" como sendo central para uma resposta adequada no culto?

Neste caso, é importante começar do princípio. O primeiro livro da Bíblia abrange de Gênesis a Deuteronômio. Nele, o "culto" recebe um tratamento longo e detalhado. Não apenas os patriarcas constroem seus altares, mas ocorre o Êxodo, de modo que o povo seja liberto para cultuar o verdadeiro Deus (Ex. 3.18). Uma vez liberto o povo, numerosos capítulos são passados descrevendo precisamente que tipo de ambiente e que tipo de culto são apropriados para tal Deus. A descrição do tabernáculo obedece à planta ditada pelo próprio Deus (Ex. 25-40). Por semelhante modo, os sacrifícios e o sacerdócio são divinamente estipulados (Lv. 1-10). O que esses textos nos dizem é que o Deus do Antigo Testamento se preocupava muito com a forma com que o culto ocorria!


Igualmente, no Novo Testamento, S. Paulo reprova o culto inapropriado (I Co. 11.17-22; 14.1-40). O culto dos primeiros cristãos, assim como o das liturgias históricas da Igreja, estava fundamentado nas Sagradas Escrituras. Estas Escrituras, para os primeiros cristãos, eram primariamente o Antigo Testamento. Os apóstolos, ensinados por Cristo, viam o Antigo Testamento como uma descrição de Cristo e de seu Reino. Assim, ao invés de criar uma forma de culto segundo os modelos greco-romanos prontamente disponíveis, a Igreja continuou o culto de Israel, com a confissão de que o sacrifício agora já havia sido oferecido (Hb. 8-10). Cristo, o Cordeiro Pascal de Deus, era agora o centro de toda a vida comunitária (I Co 5.7-8).

Por que Deus estava tão interessado? Não teria sido igualmente apropriado dar as mãos em círculo no deserto e dizer uma oração espontânea? De fato, isso não seria melhor do que a rotina de sacrifícios em oferta a Deus da maneira prescrita? Deus não estava simplesmente dando a uma sociedade primitiva um conjunto de auxílios visuais? A resposta é "não!". O que estava em jogo para os israelitas era a própria natureza de sua fé. Deus é aquele que fez coisas específicas e revelou-se a si mesmo de maneiras específicas. Dizer que esses detalhes poderiam ser ignorados seria criar um bezerro de ouro. Seria simplesmente cultuar outro deus. É o caráter de Deus revelado nas Escrituras proféticas e apostólicas que requer culto apropriado.

As orações, por exemplo, podem refletir nossas mais profundas dores e nossas mais altas esperanças. Elas podem ser autênticas em expressar nossos sentimentos. Mas, tragicamente, elas podem ser orações que não alimentam nossas almas. Dietrich Bonhoeffer argumenta isto no livro intitulado Orando com os Salmos:

"Senhor, ensina-nos a orar!". Assim disseram os discípulos a Jesus. Ao fazer esse pedido, eles confessaram que não eram capazes de orar por conta própria, que precisavam aprender a orar. A frase "aprender a orar" soa estranha para nós. Se o coração não transborda e começa a orar por si mesmo, dizemos, ele jamais "aprenderá" a orar. Mas é um erro perigoso, certamente bem difundido entre cristãos, o pensar que o coração pode orar por si mesmo. Porque, então, confundimos desejos, esperanças, suspiros, lamentos, alegria -- todos estes, o coração pode expressar por si mesmo -- sem oração. De modo que precisamos, sim, aprender a orar. A criança aprende a falar porque seu pai fala consigo. Ela aprende a fala de seu pai e de sua mãe. Assim, nós aprendemos a falar com Deus porque Deus falou e fala conosco. A fala de Deus em Jesus Cristo nos encontra nas Sagradas Escrituras. Se quisermos orar com confiança e alegria, então as palavras das Escrituras devem ser a sólida fundação da nossa oração. Pois é nelas que sabemos que Jesus Cristo, a Palavra de Deus, nos ensina a orar. As palavras que vêm de Deus tornam-se, assim, os degraus sobre os quais encontramos o caminho para Deus (pp. 10-13).

Pode-se acrescentar que Nosso Senhor, nos momentos principais de sua vida (Quinta-feira Santa, Sexta-Feira da Paixão) utilizou o Saltério em suas orações. Tudo isto aponta para o fato de que o Deus Triuno das Escrituras revelou-se em padrões e eventos específicos. Eles nos fornecem uma verdadeira caracterização. O Criador. O Santo. O Provedor. O Salvador. Todos esses atributos e muitos mais nos são revelados.

Porém, como o povo de Deus reage a esse Deus? Por toda a Escritura Sagrada há um santotemor e respeito, uma "reverência" por parte daqueles que têm o privilégio de contemplar a Deus com clareza. Moisés o demonstrou. Jesus, a Palavra encarnada, a incorporou. Nas Escrituras, as pessoas que trataram a Deus de maneira casual ou leviana não compreenderam, de fato, seu caráter. Aliás, também não consideraram a realidade de seu próprio caráter, perante tal Deus.

Pais enlutados pelo nascimento de uma criança sadia... pessoas rindo de um atleta ferido... um golfista chorando quando sua bola cai no buraco. São reações inapropriadas! São irreais! Apontam para um verdadeiro problema de percepção e de postura. Encontrar-se com o Deus Triuno com uma disposição relaxada, casual e despreocupada também é inapropriado. Nossas reações e posturas devem refletir a real e verdadeira natureza de Deus. Isto não significa, claro, que uma resposta "apropriada" nos garante um lugar perante o Senhor. Reverência não é um sentimento religioso ou virtude do filho de Deus que lhe confira mérito! Antes, é a característica de um relacionamento que Deus livremente concedeu. Assim como o orgulho deve ser posto de lado pelo filho de Deus, a reverência vem com o relacionamento.

Quando somos batizados em Cristo, somos postos em Cristo (Rm. 6.1-11). Sua postura torna-se a nossa. Jesus nos convida para uma atitude de santo temor e respeito perante seu Pai Celeste. De fato, um texto que sumariza a essência da reverência é o Salmo 130.4: "Contigo, porém, está o perdão, para que te temam." Muitas tradições cristãs articulam a majestade e o poder de Deus, mas deixam os adoradores com um pavor de Deus que escapa ao centro da mensagem da Bíblia.

Em uma palavra, é o perdão -- o Evangelho -- que evocam verdadeira "reverência" naqueles que contemplam o caráter de Deus na Bíblia. Esta é a resposta digna e apropriada. É a resposta que moldou as liturgias históricas da Igreja. Com toda a sua variedade e riqueza, o culto dos cristãos foi marcado, desde o início, por "reverência". Aqui, em nosso culto, Deus é verdadeiramente presente. Suas palavras, sua refeição, sua água -- realidades específicas -- convidam-nos a ele. Seu caráter gracioso, definidamente revelado na face de Cristo, nos liberta de nossos sentimentos volúveis e modismos religiosos. Como Lutero tão argutamente diz: "Nós mais profundamente enxergamos o coração de Deus quando vemos seu Filho na cruz."

Quando Maria e os apóstolos estavam postos ao pé da cruz, não havia informalidade. Havia dor, e mistério, e temor, e reverência. Quando cultuamos perante essa cruz, contemplamos o verdadeiro caráter do Deus Triuno. Nosso impulso não é seguir as emoções da moda ou os "baratos" religiosos. Esses eram oferecidos em abundância pelo baalismo da Palestina e de cada religião da moda no Império greco-romano. Não, a cruz continua sendo uma ofensa e um escândalo hoje como era então, porque separa o culto do verdadeiro Deus da miríade de manifestações da religiosidade humana. É, também, a fonte da verdadeira "reverência". É autêntica e é real, pois só ela revela o verdadeiro caráter de Deus e a verdadeira natureza de seus filhos redimidos. Essa reverência marcará para sempre o culto do povo de Deus.

Os leitores que quiserem uma análise mais detalhada do culto em Israel e na comunidade da Igreja primitiva são convidados a consultar as seguintes obras (ainda sem edição em português):

Oscar Cullman, Early Christian worship (1953, "O culto cristão primitivo")
Ferdinand Hahn, The worship of the early Church (1973, "O culto da Igreja primitiva");
Hans-Joachim Kraus, Theology of the Psalms (1986, "A teologia dos Salmos");
J. T. Sanders, New Testament Christological Hymns (1969, "Hinos cristológicos do Novo Testamento").

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