quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Não ter medo de virar um “episcopal”

Por Peter Leithart*
“Of not being afraid of becoming an ‘Episcopalian’” originalmente publicado em Patheos, 7 de abril de 2012.

Trad. Eduardo Henrique Chagas



Tem um pequeno movimento litúrgico acontecendo ultimamente entre as igrejas reformadas, e uma mudança maior entre os protestantes conservadores, ou evangelicais.

Os críticos desse movimento perguntam, e com razão, se esta não é apenas mais uma expressão da cultura de consumo do cristianismo norte-americano: é a modinha da vez, sem qualquer fundamento nas Escrituras ou na tradição. E essa é uma pergunta válida, uma precaução necessária. O interesse litúrgico no meio evangelical pode, daqui a uma ou duas décadas, seguir o caminho dos acampamentos e das igrejas voltadas aos “que estão procurando”, nenhum dos quais desapareceu por completo, mas que tiveram, ambos, seus dez minutos de fama antes de virar notícia velha.

Os críticos também se preocupam ao observar o estado atual das “igrejas litúrgicas”. A Igreja Episcopal está uma bagunça, incapaz de afirmar sequer os padrões bíblicos mais óbvios de moralidade sexual. A ELCA e a PCUSA não estão muito atrás. (Católicos romanos e ortodoxos mantiveram os padrões bíblicos, e por essa razão tendem a ser mais atraentes aos evangelicais que estão vagando por aí). Vocês não têm medo, perguntam os críticos, de perder suas coordenadas bíblicas?
De maneira geral, aos evangelicais parece que as igrejas do mainline estão cheias de cristãos nominais que seguem o protocolo litúrgico mas não conhecem ou não se importam com obedecer a Jesus. Vocês não têm medo, perguntam os críticos, de que as igrejas litúrgicas reformadas e evangelicais sigam pelo mesmo caminho? Vocês não têm medo de que as igrejas litúrgicas tornem muito fácil para as pessoas se esconderem?

E neste ponto eu creio que os críticos estão completamente fora de base. A resposta a estas críticas não é dizer que os reformados e evangelicais que promovem uma renovação litúrgica precisam  de alguma forma ser ao mesmo tempo litúrgicos e antilitúrgicos; a resposta não é que os evangelicais devem se tornar formais, mas ao mesmo tempo conservar a sua tradicional hostilidade às fórmulas. Isso é incoerente, e não é um caminho para frente, mas um labirinto sem saída.

A resposta é dizer que as “igrejas litúrgicas” não são corretamente litúrgicas em primeiro lugar. Na verdade, por boa parte da sua história, a Igreja não tem sido corretamente litúrgica.

A liturgia cristã é o cumprimento da liturgia do Templo. O Templo era o palácio de Yahweh, e os procedimentos litúrgicos do Templo constituíam o bondoso convite de Yahweh para que seu povo se achegasse a ele. Os regulamentos litúrgicos do Templo eram os protocolos de abordagem para com Yahweh. Yahweh trazia o povo à sua mesa, de onde lhe era permitido comer em sua presença. Em tempos determinados, os sacerdotes do templo liam a Torá para o povo reunido, e nas sinagogas, que eram postos avançados do templo espalhados pela terra, os israelitas se reuniam para ouvir a leitura e a explicação da Palavra de Yahweh, todo sábado. O culto de Israel tinha seu centro na Palavra e na Mesa: Israel se achegava à presença de Yahweh para que ele pudesse lhes falar, e então poderiam receber das migalhas que caíam de seu altar.

Israel se aproximava, entrava nos pátios de Yahweh, mas permanecia a uma certa distância. Israelitas leigos não podiam adentrar o Templo ou comer dos pães da presença. A ninguém era permitido beber vinho no recinto do Templo. No culto cristão, estas restrições e exclusões são eliminadas. O culto ainda tinha seu centro na Palavra e na Mesa, mas agora todos deveriam se achegar igualmente e, de maneira especial, igualmente à Mesa. Um culto corretamente litúrgico, biblicamente litúrgico, é saturado das Escrituras; um culto corretamente litúrgico inclui o alimento sólido do ensino bíblico; um culto corretamente litúrgico permite que todos se acheguem à Mesa toda semana (“Quando vos reunis”). Este é o tipo de culto defendido, mas, por uma ou outra razão, nem sempre praticado por muitos dos Reformadores. Este é o coração da ciência litúrgica luterana: se você quer saber onde encontrar Deus, procure pela Palavra pela Água e pelo Pão, sinais da presença do Filho Encarnado. De uma forma diferente, também está no cerne da teologia litúrgica de Calvino: o Culto é Deus nos entregando suas dádivas da Palavra e da sua Ceia, e ambas, segundo Calvino, deveriam acontecer a cada vez que o povo de Deus se reunia. Para os Reformadores, este é o culto “corretamente litúrgico”. Este era, também, o ímpeto que movia os primeiros Reformadores ingleses.

Mas não é isto que a Igreja tem feito, historicamente. As igrejas católica e ortodoxa conservam algumas das exclusões da Antiga Aliança. Por muitos séculos, a Igreja ocidental excluiu completamente o laicato da Mesa, conduziu a missa em um idioma que a maioria não compreendia, e ensinou pouco da Bíblia. Os protestantes, e especialmente os protestantes reformados, foram rápidos em perder o lado sacramental da liturgia, e o culto protestante se tornou uma imagem invertida do católico: no lugar de uma missa sem Palavra, os protestantes colocaram um sermão sem Sacramento.

As “igrejas litúrgicas” protestantes muitas vezes deixaram de se adequar aos padrões bíblicos: suas liturgias estão na língua do povo e recheadas de leitura bíblica, mas o ensino nas igrejas episcopais e luteranas do mainline é notoriamente raso; e algumas dessas “igrejas litúrgicas” nem celebram semanalmente a Eucaristia. As duas coisas principais que deveriam acontecer no culto (o Pai fala e o Pai nos convida a nos alimentarmos de Jesus pelo Espírito) com frequência não acontecem, e quando acontecem, é muito pouco. As “igrejas litúrgicas” deixam de permitir a Deus falar: ele fala alguns versículos bíblicos por semana, e certos trechos das Escrituras jamais são lidos, enquanto os pregadores gastam boa parte de seu tempo contando historinhas clichês, em vez de explicar o que Deus disse nas leituras. (Eu poderia acrescentar, é claro, que muitas igrejas evangelicais também falham nesse departamento; a maioria das igrejas “bíblicas” por aí incluem bem pouca leitura da Bíblia nos seus cultos, e muitas ainda celebram a Eucaristia com pouquíssima frequência).

Na igreja onde sirvo, temos o costume de nos ajoelhar para confessar nossos pecados. Cantamos o Kyrie, cantamos o Sursum Corda e vários dos cânticos antigos da Igreja (o Te Deum, o Gloria) como parte de nossa subida musical à presença de Deus. Usamos orações escritas e cantamos o Pai Nosso todo domingo, e recitamos ou cantamos um dos Credos. Os pastores que dirigem o culto vestem togas brancas, e estolas cujas cores variam conforme o tempo litúrgico. Também mudam conforme a estação litúrgica as cores dos paramentos do Púlpito e da Mesa. Estamos chegando ao final da Quaresma, e em breve vamos contar ao povo, pelas próximas semanas, que vamos continuar celebrando a Páscoa, e então teremos um culto da Ascensão. Cremos que todas essas práticas têm fundamentação bíblica e são edificantes para a Igreja. Cremos que é melhor que um ministro de culto esteja uniformizado em uma toga branca, do que trajando um terno ou uma toga genebrina preta; melhor observar o calendário litúrgico do que não fazê-lo. Estas práticas não são questão de gosto ou meramente por apelo estético (embora elas tenham seu apelo estético), nem são mera perfumaria. Embora não acreditemos que as togas ou a observância do calendário e o canto dos responsos sejam da esse, da essência da Igreja, cremos que elas promovem a bene esse da Igreja. Cremos que estes são meios para aprofundar o encontro do participante do culto com o Deus Triúno.

Um visitante que venha à nossa igreja pode ser desculpado se confundir nossa liturgia com a da igreja anglicana ou luterana. Porém, eu não tenho medo de me tornar um episcopal porque a nossa liturgia não “essencialmente a mesma” da Igreja Episcopal (a saber, molenga, que foge da Bíblia, mainline), assim como a Missa Alemã de Lutero não era a mesma Missa da Igreja Romana, embora tivessem semelhanças estruturais. Para Lutero e para nós, não é uma questão de vinho novo em odres velhos, de colocar “conteúdo” novo em “formas” antigas. O novo conteúdo do Serviço Divino luterano fez da liturgia um acontecimento completamente diferente. Como os católicos reconheceram na época, algo diferente estava acontecendo na Missa luterana. E o que estava acontecendo era Palavra e Mesa, Deus falando com seu povo e o Pai alimentando seu povo de seu Filho pelo Espírito. Então, se o visitante que nos confundiu com uma igreja episcopal ficar por aqui, logo vai perceber que não é bem assim. E se ele não perceber a diferença, também não importa. Deus estará falando com ele e o alimentando, quer ele entenda o que está acontecendo ou não. E logo ele perderá todo medo de “virar episcopal”.



* Peter J. Leithart é presidente do Instituto Theopolis em Birmingham, Alabama. Serve como Docente na Trinity Presbyterian Church, em Birmingham, e é autor de um comentário em dois volumes do livro de Apocalipse (no prelo) pela T&T Clark. Ele escreve uma coluna bimestral em Firstthings.com. Ele e sua esposa Noel têm dez filhos e nove netos.

Um comentário:

VINICIUS disse...

Muito bom o texto!!!